Avatar: nada além de uma justificativa estúpida da guerra! Por Pierre Desjardins

http://www.lemonde.fr/opinions/article/2010/01/27/avatar-rien-d-autre-qu-une-bete-justification-de-la-guerre-par-pierre-desjardins_1297562_3232.html

Inocentemente, muitos viram no filme de James Cameron, Avatar, um filme antimilitarista, até mesmo pacifista e ecológico. Entretanto, ele não é nada disso. Muito pelo contrário, este filme pretende ser o elogio à violência e à guerra. É verdade que ao inverter os papéis e ao caricaturar o exército americano, este filme confundiu mais de um. Mas, sob seu pano de fundo campestre idílico, este filme dissimula um discurso eminentemente corrosivo: aquele da justificativa da guerra pelos pacíficos Ocidentais que somos nós.

Para começar, lembremos da cena desta árvore enorme que cai estrondosamente no meio de uma população desamparada. Como não ver ali a analogia da queda das torres do World Trade Center? Além disso, a partir desta cena grandiosa, tudo que o povo indígena selvagemente atacado sobre seu próprio planeta fizer será justificado. E não é outro senão um marinheiro americano, Jake, o herói do filme, que irá propor aos autochtones de se unirem (as forças aliadas), para reprimir e matar aqueles que, como terroristas, os atacaram tão covardemente. É neste momento que aparece na tela em todo seu esplendor a águia imperial americana – sob o disfarce de um dragão gigante estilo Transformers – cavalgada destemidamente pelo nosso herói americano para levar os índios à vitória final.

Esse herói, um simples soldado americano ferido de guerra, reeditado em um corpo novo, vai voltar ao trabalho mas, desta vez, por uma boa causa! Desta forma, ele é a ilustração perfeita do americano médio, isto é, um inocente que não quer a guerra, mas que, pelas necessidades da causa, vai acabar se transformando em um combatente raivoso incitando a população indígena à segui-lo no combate. Quando somos atacados, precisamos saber nos defender. É um direito absoluto. Esta é a mensagem central desta super produção americana de 300 milhões de dólares que se apresenta como a expressão da ideologia guerreira, isto é, aquela da guerra dita justa, ou, se desejarem, aquela do bem contra o mal…

Porque este filme faz a divisão entre os bons guerreiros (os Na’vi) e os guerreiros maus (os GI’s). Mas nós sabemos, não há guerreiros bons ou maus. Toda guerra, mesmo aquela que parece a mais insensata, é sempre feita por motivos ditos justos pois são motivos de defesa (não é por acaso que falamos de ministério da defesa). Lembremos que mesmo para Hitler, a guerra era justa: se tratava de aumentar o território alemão para assegurar a sobrevivência de seu povo. Não partimos para a guerra para lutar, lhe dirá qualquer gerente bélico, mas sim para nos defendermos! Esta é a própria essência da guerra e é essa essência fundamental que deseja trazer para o gosto popular o filme Avatar. Inclusive a palavra avatar, que vem do sânscrito, designa um enviado de Deus que assegura o combate do bem contra o mal.

Percebamos, além disso, como várias cenas de combate na selva são uma recordação do que foi para os americanos a guerra do Vietnam onde, apesar do uso de napalm, a potência americana foi pisada e humilhada. A uma humilhação semelhante, propõe secretamente/furtivamente este filme, é preciso doravante saber contra-atacar de maneira inteligente. Não descaradamente, arrasando tudo em sua passagem ou usando estupidamente gás tóxico, mas mirando com precisão o inimigo, e isto tudo de comum acordo com as outras nações ameaçadas. Não vemos aí a justificativa perfeita para a guerra no Afeganistão?

E, como sempre, os índios são apresentados como seres ligados a ritos ultrapassados e que precisam ser guiados para o combate pelo herói inteligente do filme. Armado de uma metralhadora para aniquilar o invasor, este novo Na’vi à imagem de um exterminador feroz será o exemplo e mostrará a estes pobres índios como combater sem pena e como estabelecer sua supremacia. Não há como deixar de lembrar dos faroestes americanos onde, quase sempre, um valente caubói acabava se associando com os índios para incitá-los a lutar até a morte contra o exército americano. Servindo assim de justiceiro, semelhante herói participava sutilmente de uma "desculpabilização" necessária em relação ao genocídio dos povos indígenas americanos.

Da mesma forma, este filme permite exibir novamente a águia americana com orgulho e nobreza. Seu diretor, James Cameron, com certeza, compreendeu melhor que qualquer outro cineasta, que para um filme agradar, é preciso reconfortar o público em suas convicções. Matar, sim, mas matar somente aqueles que ameaçam a segurança de nossos países. Vejam como é tranquilizador e reconfortante. Graças a este filme, a máxima si vis pacem, para bellum (“Se você quer a paz, prepara a guerra” ) pode ser usada novamente. Todavia, o único hic (problema) desta antiga e rídicula máxima é que ela é válida para todo e qualquer povo que se sinta ameaçado…

Finalmente, é uma pena que um filme que, a despeito de seu desempenho técnico, não nos traz nada de novo, vá apesar de tudo buscar todos os prêmios. Se colocando em algum lugar entre um filme Walt Disney e um episódio de Transformers ou ainda, entre Jurassic Park e O Exterminador do Futuro, Avatar atira em todas as direções. Por exemplo, a fórmula simplista dos animais amigos dos bons e inimigos dos malvados é mais do que deplorável. Mas para um país onde os problemas ligados ao meio-ambiente ainda não são levados a sério, ela é mais do que suficiente! E é sem nenhuma dúvida que com fórmulas tão comerciais, o rei do mundo, como gosta de chamar a si mesmo James Cameron, saberá agradar um público enorme e será, uma vez mais, coroado de todas as glórias!

Pierre Desjardins é autor e professor de filosofia no colégio pré-universitário de Montmorency (Québec).

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